25/04/2016

O poeta Manuel Alegre recebe o Grande Prémio Vida Literária da APE 2016

Manuel Alegre
(c) Luiz Carvalho, 2013
Manuel Alegre [nasceu em Águeda, em 1936] recebe hoje, 25 de abril, o Grande Prémio Vida Literária 2015/1016, no salão nobre da sede da Caixa Geral De Depósitos, entidade que patrocina o galardão instituído pela Associação Portuguesa de Escritores (APE).

A cerimónia de entrega do prémio, ocorrerá às 18h30 em Lisboa, e será presidida pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e conta com a presença do ministro da Cultura, Luís Castro Mendes, e do presidente da APE, José Manuel Mendes, entre outras personalidades.

O prémio é entregue de dois em dois anos a escritores de ficção, poesia e ensaio, com um valor de 25000 euros, desde 1993, ano em que foi laureado José saramago. Este ano reconhece uma carreira excepcional na literatura portuguesa, a de Manuel Alegre, figura da cultura e da política portuguesas – aliás já sobejamente reconhecida. Não seria mais útil atribuir o prémio a jovens escritores com algum percurso literário comprovado?

Quando em março foi dado a conhecer o nome de Manuel Alegre, a APE afirmou ter sido uma escolha “unânime” da sua direção, que teve em consideração “o longo percurso literário do autor, de um tempo prévio a Praça da Canção” (1965, poesia).

O escritor tinha sido já laureado pela sua vida literária notável anterior com o Prémio Pessoa, em 1999, e o Tributo de Consagração Fundação Inês de Castro.

Segundo testemunho de António Quadros, trata-se de “[...] um poeta inspirado, um poeta cujos versos brotam naturalmente em torrente, de uma fonte íntima e originária, que a religa ao mar primordial da tradição poética portuguesa mais genuína. [...] É a obra de um poeta lusíada, para recordar o título do grande texto de Pascoaes.” (in “A ideia de Portugal na literatura portuguesa dos últimos cem anos”, 1989)


Canto Peninsular

Estar aqui dói. E eu estou aqui
há novecentos anos. Não cresci nem mudei.
Apodreci.
Doem-me as próprias raízes que criei.

Foi a guerra e a paz. E veio o sol. Veio e passou
a tempestade.
Muita coisa mudou. Só não mudou
este monstro que tem a minha idade.

E foi de novo a guerra e a paz. Muita coisa mudou
em novecentos anos.
Eu é que não mudei. Neste monstro que sou
só os olhos ainda são humanos.

Quantas vezes gritei e não me ouviram
quantas vezes morri e me deixaram
nos campos de batalha onde depois floriram
flores e pão que do meu sangue se criaram.

Andei de terra em terra
por esse mundo que decerto modo descobri.
E fui soldado contra a minha própria guerra
eu que fui pelo mundo e nunca saí daqui.

Mil sonhos eu sonhei. E foram mil enganos.
Tive o mundo nas mãos. E sempre passei fome.
Eis-me tal como sou há novecentos anos
eu que não sei escrever sequer o próprio nome.

Falam de mim e dizem: é um herói.
(Não sei se por estar morto ou porque ainda não morri)
Mas nunca ninguém disse a razão porque me dói
estar aqui.

De “Praça da canção”, in Obra Completa. 2.ª ed., Lisboa: Dom Quixote, 2000, pp. 66-67. (apud DGLB)




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