Manuel Alegre [nasceu em Águeda, em 1936] recebe hoje, 25 de
abril, o Grande Prémio Vida Literária 2015/1016, no salão nobre da sede da
Caixa Geral De Depósitos, entidade que patrocina o galardão instituído pela
Associação Portuguesa de Escritores (APE).
A cerimónia de entrega do
prémio, ocorrerá às 18h30 em Lisboa, e será presidida pelo Presidente da
República, Marcelo Rebelo de Sousa, e conta com a presença do ministro da Cultura, Luís Castro Mendes, e do presidente da APE,
José Manuel Mendes, entre outras personalidades.
O prémio é entregue de dois
em dois anos a escritores de ficção, poesia e ensaio, com um valor de 25000
euros, desde 1993, ano em que foi laureado José saramago. Este ano reconhece uma
carreira excepcional na literatura portuguesa, a de Manuel Alegre, figura da
cultura e da política portuguesas – aliás já sobejamente reconhecida. Não seria
mais útil atribuir o prémio a jovens escritores com algum percurso literário
comprovado?
Quando em março foi dado a
conhecer o nome de Manuel Alegre, a APE afirmou ter sido uma escolha “unânime”
da sua direção, que teve em consideração “o longo percurso literário do autor,
de um tempo prévio a Praça da Canção”
(1965, poesia).
O escritor tinha sido já laureado pela sua vida literária
notável anterior com o Prémio Pessoa, em 1999, e o Tributo de Consagração
Fundação Inês de Castro.
Segundo testemunho de António Quadros, trata-se de “[...] um poeta inspirado, um poeta cujos
versos brotam naturalmente em torrente, de uma fonte íntima e originária, que a
religa ao mar primordial da tradição poética portuguesa mais genuína. [...] É a
obra de um poeta lusíada, para recordar o título do grande texto de Pascoaes.”
(in “A ideia de Portugal na literatura portuguesa dos últimos cem anos”, 1989)
Canto Peninsular
Estar aqui dói. E eu
estou aqui
há novecentos anos. Não
cresci nem mudei.
Apodreci.
Doem-me as próprias
raízes que criei.
Foi a guerra e a paz. E
veio o sol. Veio e passou
a tempestade.
Muita coisa mudou. Só não
mudou
este monstro que tem a
minha idade.
E foi de novo a guerra e
a paz. Muita coisa mudou
em novecentos anos.
Eu é que não mudei. Neste
monstro que sou
só os olhos ainda são
humanos.
Quantas vezes gritei e
não me ouviram
quantas vezes morri e me
deixaram
nos campos de batalha
onde depois floriram
flores e pão que do meu
sangue se criaram.
Andei de terra em terra
por esse mundo que
decerto modo descobri.
E fui soldado contra a
minha própria guerra
eu que fui pelo mundo e
nunca saí daqui.
Mil sonhos eu sonhei. E
foram mil enganos.
Tive o mundo nas mãos. E
sempre passei fome.
Eis-me tal como sou há
novecentos anos
eu que não sei escrever
sequer o próprio nome.
Falam de mim e dizem: é
um herói.
(Não sei se por estar
morto ou porque ainda não morri)
Mas nunca ninguém disse a
razão porque me dói
estar aqui.
De “Praça da canção”,
in Obra Completa. 2.ª ed., Lisboa: Dom Quixote, 2000, pp. 66-67. (apud DGLB)
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